O procedimento concursal para a contratação de funcionários é uma das grandes incógnitas da administração das coisas humanas. Suponhamos que houvessem gênios, dado duvidoso, e suponhamos que houvessem gênios concurseiros, oxalá não haja! Ponde vosso especialista em certames diante duma prova e quem garantirá - quem - que o resultado da prova será absolutamente positivo? Ninguém, meus caros.
Pois, um concurso envolve elementos incontroláveis, transcendendo o conhecimento de conteúdo e a habilidade concurseira. Uma coceira no pé pode tornar o discernimento errático; uma acne pode desconcentrar o combatente; um árbitro muito leniente pode afrouxar-lhe o siso; uma indisposição, uma desinteria, uma enxaqueca, uma gripe pode comprometer o corpo do pleiteante. E o humano não vai sem o corpo - eis a máxima que nos legou Merleau-Ponty. Que se dirá de outros animais e suas características e suas enfermidades. Por exemplo um golfinho, que nem pode segurar uma caneta?! E o periquito que não canta, o que lhe sucederá num exame oral? Estamos longe da isonomia e da eqüidade, amigos! Há muito pela frente.
Eu não acredito em destino, o rei Alein tampouco - segundo consta nos fabulosos anais que venho lendo -, os golfinhos e os porcos tampouco. Os cachorros, seres duma simplicidade e ingenuidade beirando o vício de caráter, eles sim se crêem escolhidos por algo de transcendente e aleatório. Pobres bichinhos...
Digamos que eu houvese lido naquele antigo livro que os labradores venceram o concurso sugerido pelo sábio amigo do jovem rei. Estaria mentindo. Que fossem os pastores (tenazes!), os cockers (prestimosos!), que fossem os foxes paulistinhas (alardeantes!), os filas, os dogues alemães. Tudo mentira!
Seis longos anos foram precisos para que todos os animais, de todas as espécies, fossem postos à prova e testados em todas as etapas da liça administrativa. Provas de conhecimento geral incluindo português - a língua nova - matemática - a língua dos astros -, direito administrativo - a língua dos carimbos -, direito constitucional, direito internacional, direito dos chimpanzés, dos cavalos (animais consagrados pela jurisprudência). E mais: provas de conhecimento específico, como música, assobio, batuque, bordado, técnicas de carimbado, técnicas de bocejo avançado, estalar de articulações e espreguiçamento (disciplina geral).
As provas de habilidades específicas visavam a medir duas características: lealdade e obediência. O velho moribundo, sentado em sua cabana, estudava os animais que se apresentavam com expediência: pêlos, penas, patas, garras, grifos, bicos, mandíbulas, dentes, guelras, focinhos, escamas, anfibiedades, anfibologias, venenos, antídotos, língua e olhares; nosso faustoso sábio recolhia toda a informação necessária antes de submeter o animal à prova.
Numa dessas incursões, enquanto pensava nas nobres palavras de Alein, refletiu sobre a extensão do futuro império e disse-lhe:
- Se não me engano, ó caro burguês, não há mais terra para governares, nem ares para governares, nem mares...
- Eu não quero profundezas, olimpos, nem esferas remotas ou as covas abissais: eu quero as superfícies, querido amigo!
- As superfícies, ó jovem, são os contornos de cada reino.
- As superfícies, os confins entre ar, terra, fogo e água; porque quem domina as superfícies está em evidência. E evidência é poder!
- Nem as baleias mo mar, nem as nuvens no céu, nem as montanhas na terra e nem as luzes no fogo vão apreciar este seu futuro império burguês sobre tudo...
- A superfície é leve, crislatina, clara e plástica: tudo a chacoalha, nada a derruba; tudo a assombra, nada a ofusca; tudo a atravessa, nada a possui. Dá-me fiscais leais e servos inteligentes.
Essa era a Carta Magna do jovem burguês. O concurso começava...
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