As espécies reunidas formam um gênero, já dizia Aristóteles. E os mamíferos, répteis, anfíbios, peixes e aves que se submetiam ao certame, qual gênero formavam? Vejamos, da definição "animal que presta concurso", o que seria possível concluir?
Nem todos prestaram o concurso.
Houve abstenções, faltas e desordens intestinais que impediram a participação, isso me parece claro, pois conforme o dito anteriormente, nada garante que um bom candidato tenha boas notas. Ocorreu tal coisa com os porcos-espinho, ratos, mosquitos, percevejos, mamutes congelados, tigres e morcegos. Bons candidatos, mas de péssimos hábitos de trabalho.
Os demais realizando as provas, cujas disciplinas já foram aqui explicadas. Porcos e delfins, animais afins, recebiam as melhores notas. Allein claramente preferia os homens e se lembrava de seu pequeno sítio, onde tinha poucos servos, mas leais e inteligentes. Porém os homens estavam em falta, escravizados pelo passado.
Um dia eles andavam pela orla da Praia Vermelha lentamente e o sábio ancião pendulava uma bengala numa mão, enquanto carregava suas sapatilhas na outra (ambos descalços). Allein andava atrás, guiado pelo sábio. Uma tartaruga andava à frente deles, passo firme, lento, convidando à carreira quase. O burguês, ressabiado, apertou o passo e tentou carregar seu companheiro consigo, o qual retorquiu:
- Caro amigo, cuidado, essa areia é perigosa...
Mas o jovem não o escutava e seguia apressado, sem sapatos, entre pedras e areias, acelerando e se aproximando do pequeno animal que diante caminhava. O velho ficou parado, observando, tentando divisar a meta e o fim da praia, envoltos em névoa densa. Tartaruga e o burguês sumiram no longe e um grito ecoou logo: o nobre se machucava!
O velho deu meia-volta, seguiu pelo caminho que acabara de percorrer, enquanto ouvia os urros de dor e os pedidos de socorro do jovem aristocrata. Labradores e pastores, contratados em regime precário e temporariamente, carregaram-no de volta à cabana que se tornava pouco a pouco em palácio. O burguês meteu-se entre pedra e vidro, sem saber, e tinha profundas feridas que subiam até os tornozelos. Dias de febre infinita acometeram-no, com vômitos vis e seqüelas mórbidas nas plantas do pés, deixando-o sem andar por meses. O amigo velou sobre o leito dia e noite, suspendendo o concurso.
Quando o nobre burguês acordou finalmente, vendo o velho contrito à cabeceira da cama, reprovou sua atitude.
- O senhor me abandonou e não sei se merece minha confiança mais. Antes esse concurso escolhesse um novo conselheiro do que somente servos. Quero ver-me livre da sua influência! Disse com a mais borbulhante raiva, boca espumando.
O velho levantou-se calmo, deu meia-volta e respondeu:
- Se eu não tivesse ido embora, quem chamaria os labradores e pastores? Se eu não conhecesse o caminho, quem teria te prevenido? Se eu não estivesse lá, ó nobre amigo, estarias sozinho.
- Mas o senhor não me disse que as tartarugas agüentam andar em qualquer terreno.
- Não disse, porque é óbvio, basta observar a natureza.
Esse diálogo não consta no livro que li, mas posso imaginá-lo real, como antecedendo o resultado do concurso, que foi retomado assim que o rico burguês pôs seus pés no chão...
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